Estou cansado de ver gente caída pelas calçadas. Já me imaginei um fotógrafo registrando essas imagens, especialmente aquelas em que o "mendigo" dorme em frente a uma agência bancária. Em seguida faria uma exposição intitulada: "O país dos homens caídos". Tem crianças, jovens, adultos e idosos de ambos os sexos e de todas as cores; às vezes famílias inteiras. Perto de onde moro, durante um tempo, morou uma velhinha que lembrava minha avó. É um desperdício de vida. Nosso país, nosso tipo de civilização baseada na lógica do capital, é uma máquina de triturar destinos pessoais.
E o que é que a sociedade ou o Estado tem feito diante desse fato: escorraçar os "moradores" de rua. Os expedientes são os mais absurdos, já vi um edifício que criou um sistema hidráulico que joga água na calçada, durante a noite, para evitar os candidatos a dormir embaixo da marquise. O próprio movimento de retirada das marquises não obedece apenas ao cuidado causado pela queda de marquises que já ceifou muitas vidas para vergonha da construção civil brasileira. É também para retirar o abrigo "natural" dos que dormem no chão. Por baixo das passarelas do Aterro do Flamengo há pedras ponteagudas afixadas com cimento, além de luzes.
Nos Estados Unidos surgiu o banco de praça à prova de mendigos, um banco abaulado que não permite que uma pessoa deite para dormir. Essa moda chegou ao Rio de Janeiro, os bancos de pontos de ônibus são de metal, com 15 centímetros de profundidade e inclinados. Mesmo assim esses bancos estão sendo retirados. Os bancos de praça também estão sumindo. Em frente ao Hospital dos Servidores do Estado (HSE) na área portuária que está sendo reformada há uma praça enorme recém construída sem um banco sequer.
Dentro do Túnel Velho, em Copacabana, vivem umas dez pessoas, lá também tenta-se afastar esse povo com luzes fortes. Foi colocado refletores a cada cinco metros, cada um com capacidade de iluminar uns cinqüenta metros. Certamente o Túnel Velho é o túnel mais bem iluminado do mundo. Mas isso não foi suficiente para expulsar as pessoas, elas dormem sob a luz desses refletores fortíssimos e, pior que isso, ouvindo o barulho dos motores dos carros, ônibus e motocicletas, e cheirando gás carbônico. Me pergunto se o que foi gasto com esses refletores, a conta de luz no final de cada mês e o custo de manutenção não daria para pagar dez quartos de um hotel barato para hospedar esse povo.
O pior disso tudo é a mensagem que passa, é como se a sociedade e o Estado dissesse para essas pessoas "vocês não são bem-vindos", "fora daqui!".
São personas non grata. E não pessoas roubadas em seus direitos humanos mais elementares, roubadas, literalmente, pela sociedade e pelo Estado. Quando um mendigo toma uma garrafa de cachaça, o governo recebe o imposto sobre o consumo e o comerciante que vendeu lucra.
E tal mensagem, tal recado, termina funcionado como um sinal verde, uma carta branca, uma autorização para que a sociedade jogue duro com o povo de rua e faça uso seja de um pó-de-mico, seja cacos de vidro, graxa ou pregos para expulsar o povo de rua dos locais que lhes resta para cair.
O climax dessa história é previsível: pode ser a expulsão de mendigos, procedimento nazista que já foi posto em prática por algumas prefeituras do sul do país; e finalmente a matança de mendigos à pauladas ou tiros, como já ocorreu em São Paulo, ou ainda, atear fogo nesse pessoal, como também já aconteceu em Brasília; iniciativa dos filhos da classe média que imolaram o índio Galdino Jesus dos Santos, pensando que tratava-se de um mendigo. E agora essa exuberância irracional de pura barbárie que foi o caso do menino preso como num garrote vil a um poste.
O povo de rua é o refugo do funcionamento da máquina capitalista. E tocar fogo nesse lixo humano é o que o regime tem para apresentar. O capitalismo é um cadáver ambulante que esqueceram de enterrar.
sexta-feira, 14 de setembro de 2007
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