sexta-feira, 13 de julho de 2007

A civilização do açúcar


Ao contrário do que todos pensam: nossas mães, os médicos, os nutricionistas e até os químicos o açúcar não é um alimento! É apenas um aditivo químico adoçante. Melhor dizendo é uma substância química pura, agressora do organismo. Além de ser responsável único pelas cáries - isso mesmo, se o açúcar fosse varrido da mesa as cáries desapareceriam - o açúcar agride diuturnamente o metabolismo e vários "sistemas" do corpo: o endócrino, o imunológico, o nervoso, o vascular etc.
O fato de o açúcar ser hoje algo tão avassaladoramente presente na mesa da humanidade, tanto o proveniente do açucareiro quanto o que já vem adicionado de fábrica nos alimentos industrializados, é o que explica ele hoje ser tomado impunemente por alimento; até os dicionários o definem como tal. E a agência do governo que lida com os aditivos químicos alimentares, a Anvisa, não o considera como tal.
Desde que foi trazido do Oriente para a Europa no século X pelos árabes, nessa época uma especiaria caríssima, um luxo ao qual só se podiam dar os reis e nobres até o atual estatuto de produto de consumo de massas, tal transformação tem sido chamada pelos historiadores como uma "revolução". A humanidade conheceu ao longo da história outras revoluçõs tecnológicas como a que instituiu a agricultura, superando o nomadismo; ou a que introduziu a eletricidade deixando para trás o vapor.
A revolução do açúcar abrange a trajetória do açúcar desde seu começo como uma estranha droga doce vinda do Oriente para consumo de reis e nobres europeus, sua evolução para a condição de fármaco, dando corpo e sabor doce a xaropes, o posterior avanço para a condição de especiaria apreciada pelas elites burguesas e finalmente o salto para a mesa de refeições. Tal trajetória só foi possível graças a uma produção de açúcar que ganhou escala cada vez maior depois que espanhóis e portugueses trouxeram para o Novo Mundo a cultura da cana-de-açúcar.

O açúcar extraído da cana já era produzido desde a Antigüidade por indianos e persas. No século XIV, na Europa, um quilo de açúcar equivalia a dez cabeças de gado. Poucos séculos depois os europeus já estavam fabricando açúcar na bacia do Mediterrâneo. Quando o Brasil foi descoberto os portugueses já eram os principais produtores de açúcar da época, faziam-no na Ilha da Madeira. Com a entrada em cena do açúcar produzido, em larga escala, no Novo Mundo, especialmente no Brasil e nas Antilhas, teve início o processo de açucaramento da mesa do europeu. E como se não bastasse o açúcar de cana, por ocasião do Bloqueio Continental imposto aos ingleses, Napoleão Bonaparte incentivou o desenvolvimento da tecnologia de extração do açúcar de beterraba: em decorrência disso, já em 1850 14% da produção mundial eram de açúcar de beterraba, e na virada do século esta percentagem já tinha saltado para 62%. Ao longo do século XX esse quadro se inverteu, passando o açúcar de cana a ser hegemônico.

“Na revolução que o uso generalizado do açúcar causou na Europa do século XVI, o Brasil, principalmente o Nordeste, desempenhou papel importante” - diz Gilberto Freyre. “Sabe-se que antes de 1500 o europeu adoçava seus alimentos e suas bebidas com um pouco de mel: desconhecia o açúcar”.[1] A comilança de açúcar na Europa foi lentamente aumentando ao longo do século XVI. O século XVII marca um grande aumento do consumo de açúcar, sobretudo depois que a população começou a consumir bebidas também tropicais como chocolate, café e chá da Índia. O historiador alemão Edmund von Lippmann descreve em detalhes a evolução do que ele chama de “consumo generalizado de açúcar na Europa”. E cita um professor da época:

Hoje em dia, não há banquete em que não se gastem muitos artigos de açúcar (...) quase nada se come sem açúcar, usa-se nos temperos, no vinho, em vez de água se bebe água com açúcar, carne, peixes e ovos são servidos com açúcar, finalmente não se usa mais sal que açúcar”. E um livro de culinária de 1570: “açúcar com canela, amêndoa , uva, açafrão e água de rosa é usado em torta, bolos, pastelões, etc., como também em pratos de carne, aves, peixe, manjar branco, etc., sempre segundo o princípio: antes mais que menos”.[2]

É dessa época a advertência do Dr. Hurt. Em 1633, o médico naturalista britânico James Hurt disse em livro que:
o açúcar, ao ser usado em grandes proporções, provoca efeitos nocivos no corpo; ou seja, o uso desmesurado dele, e igualmente de outros produtos adocicados, aquece o corpo, engendra caquexias, consunções, apodrece os dentes, tornando-os negros, provocando às vezes, um hálito terrivelmente desagradável. Sendo, portanto, aconselhável que os jovens estejam atentos para não se envolver demasiadamente com ele”.[3]

O enorme aumento do consumo de açúcar, que causou logo de saída uma epidemia de cárie dentária, é que deve ter motivado o Dr. Hurt a fazer o alerta. Ele provavelmente foi um dos primeiros a diagnosticar as primeiras manifestações do que seria uma nova era na história da humanidade, a era das doenças crônicas, metabólicas e degenerativas.

Voltando a Gilberto Freyre, [4] o advento e a expansão do açúcar de um ponto-de-vista geohistórico foi assim resumido pelo autor de Casa Grande & Senzala:
“Com a manufatura do açúcar de cana, o açúcar tornou-se presente e, depois de presente, importante na alimentação do homem civilizado. No da Europa, principalmente; e nas sub-Europas que, do Século XVI ao começo do Século XX, tornaram-se grandes extensões coloniais no Oriente, na América e na África”. [5]

O aspecto mais imediato dessa revolução foi a substituição do mel de abelha pelo açúcar como adoçante. Mas longe de limitar-se à simples substituição do mel na mesa da humanidade, a revolução do açúcar desencadeou a partir do século XVII um processo de açucaramento de tudo o que entra pela boca do ser humano: alimentos, bebidas, medicamentos e até pasta de dente e fumaça de cigarro (o tabaco é curtido numa solução açucarada). Empenhada neste processo de açucaramento da vida moderna, a sucroquímica vive a descobrir novas aplicações para o açúcar, o produto químico puro mais abundante e barato do mundo. A sacarose e seus polímeros hoje estão espalhados pelos mais diversos setores da economia. Produto químico polivalente, o açúcar pode ser aproveitado nas indústrias de plástico, cosmético, fertilizante, inseticida, cimento, asfalto, corantes, baterias, adoçante artificial e até como explosivo.

Durante os séculos XVI e XVII, quando a produção mundial de açúcar ainda se contava em milhares de sacos, aquela “fartura” de açúcar, segundo Gilberto Freyre, originou uma “tendência” ao açucaramento da dieta de brasileiros, norte-americanos e europeus. Hoje a fartura de açúcar produzida anualmente, incluindo os açúcares de cana e de beterraba, se aproxima dos 200 milhões de toneladas para uma humanidade de menos de sete bilhões de bocas. Ensacada e enfileirada essa quantidade de açúcar dá para ir até a lua e voltar.
Na mesa da humanidade aquela tendência avançou, inexoravelmente, com a lógica de uma ditadura, num crescendo que vem até os dias de hoje. Assim, o médico americano, Robert Atkins viu esse processo:
De dois quilos de açúcar por ano passou-se a oitenta quilos por pessoa por ano, em apenas onze gerações. Esta pode ser, talvez, a mais drástica mudança dietética na evolução do homem em seus cinqüenta milhões de anos de existência”. [6]

O açúcar não é o que pensam dele: um alimento inocente para a maioria das pessoas ou um carboidrato como outro qualquer para a maioria dos médicos, dos químicos e dos nutricionistas. É um agente químico agressor do organismo, um corpo estranho na mesa que transformou o alimento do ser humano de meio de vida em meio de doença e morte.
A ditadura do açúcar, uma ditadura de pacote tecnológico,[7] impôs goela abaixo da humanidade a dieta açucarada moderna, a ração patogênica que empurrou o ser humano para a era das doenças crônicas, metabólicas e degenerativas.
A historiadora Elsa Avancini referiu-se à sociedade colonial brasileira como “uma sociedade montada para a produção de açúcar”.[8] Hoje, quinhentos anos depois, o mundo vive o apogeu da civilização do açúcar. Nas palavras do doutor Leão Zagury “uma sociedade estruturada afetivamente em torno do consumo de açúcar”.[9]

A DIETA AÇUCARADA MODERNA empurrou a humanidade para a ERA DAS DOENÇAS CRÔNICAS, METABÓLICAS E DEGENERATIVAS.
Se quisermos nos livrar das vergonhosas epidemias de cárie dentária, obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares, etc. teremos que, em primeiro lugar, deter o avanço da DITADURA DE PACOTE TECNOLÓGICO DO AÇÚCAR e expulsar da mesa esse corpo estranho doce e nocivo.

O texto acima foi extraído de O LIVRO NEGRO DO AÇÚCAR de minha autoria.


NOTAS
[1] Freyre, Gilberto. Civilização do Açúcar. In: Enc. Barsa. Rio de Janeiro: Encicl. Britânica, 1967, p. 65.
[2] Lippmann, Edmund von. História do açúcar. Rio de Janeiro: IAA, 1942, tomo II, p. 40.
[3] Apud Dufty, William. Sugar blues. Rio de Janeiro: Ground, 1978, p. 56.
[4] Freyre, Gilberto. Açúcar, Coleção canavieira nº 2. Rio de Janeiro: IAA, 1969, p. 17.
[5] Freyre, Gilberto. Op. cit. p. 27.
[6] Atkins, Robert. A Dieta Revolucionária do Dr. Atkins. Rio de Janeiro: Artenova, 1980, p. 61.
[7] O conceito de ditadura de pacote tecnológico foi assimilado de Bautista Vidal que fala do pacote do petróleo.
[8] Avancini, Elsa Gonçaves. Doce Inferno. São Paulo: Atual, 1991, p. 42.
[9] Zagury, Leão et alii. Diabetes sem Medo. Rio de Janeiro: Rocco,1985, p. 34.
[1] Freyre, Gilberto. Civilização do Açúcar. In: Enc. Barsa. Rio de Janeiro: Encicl. Britânica, 1967, p. 65.
[2] Lippmann, Edmund von. História do açúcar. Rio de Janeiro: IAA, 1942, tomo II, p. 40.
[3] Apud Dufty, William. Sugar blues. Rio de Janeiro: Ground, 1978, p. 56.
[4] Freyre, Gilberto. Açúcar, Coleção canavieira nº 2. Rio de Janeiro: IAA, 1969, p. 17.
[5] Freyre, Gilberto. Op. cit. p. 27.
[6] Atkins, Robert. A Dieta Revolucionária do Dr. Atkins. Rio de Janeiro: Artenova, 1980, p. 61.
[7] O conceito de ditadura de pacote tecnológico foi assimilado de Bautista Vidal que fala do pacote do petróleo.
[8] Avancini, Elsa Gonçaves. Doce Inferno. São Paulo: Atual, 1991, p. 42.
[9] Zagury, Leão et alii. Diabetes sem Medo. Rio de Janeiro: Rocco,1985, p. 34.

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