Homens e livros
Pedro Nava em um de seus livros de memórias, acho que no Chão de Ferro, fala em "tirania dos livros"; ele se referia aos livros didáticos. Morador sempre em casas ou apartamentos alugados, vivíamos mudando de endereço de modo que me referia aos meus livros como a soldados, permanentemente sendo mobilizados na guerra da vida cotidiana. Mais tarde vim a saber que Karl Marx dizia que seus livros eram seus escravos.
Alceu Amoroso Lima em entrevista revelou que os diversos autores, arrumados nas estantes de sua biblioteca formavam ruas e avenidas. Dá para imaginar a topografia da cidade amorosiana: avenida Rui Barbosa, rua Gilberto Amado, praça Castro Alves e por aí vai.
Refletindo sobre isso fiquei meio frustrado, me dei conta de que minha relação com os livros era de exterioridade. Para reforçar essa impressão, durante muito tempo trabalhei com livros usados, fui dono de sebo, no caso, da Livraria João do Rio. O comerciante de livros conhece os livros por fora: o título, o autor, a editora, a cor da capa, o formato do livro e quando muito uma idéia vaga do conteúdo necessária para colocá-lo na prateleira certa. E mesmo assim muitas vezes Judas, o obscuro, vai parar na prateleira de religião. Não quero dizer que o comerciante de livros não tenha cultura livresca, mas quem trabalha não tem tempo de ler livros.
Voltando à relação com os livros, comparando a relação marxiana e a minha, notem que um soldado é um ser autônomo (pelo menos o soldado brasileiro que só cumpre uma ordem se ela fizer sentido) que numa situação de guerra muitas vezes tem que exercitar sua criatividade. Já um escravo é um ser moldável à vontade do senhor (exceto se esse escravo for o Espartacus ou um quilombola). Marx era senhor de seus livros e eu tinha uma tropa que se deslocava sob meu comando, mas não havia uma relação de apropriação como no caso da relação senhor-escravo.
O que quero dizer é que hoje não sou mais dono de sebo e pretendo me relacionar com os livros menos exteriormente e mais com o conteúdo. Em outras palavras não estou mais preocupado em vender livros para meus clientes, mas "vendê-los" a mim mesmo.
domingo, 8 de julho de 2007
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